Uma das principais contribuições de Melanie Klein são os conceitos de posição esquizo-paranóide e posição depressiva e incorreríamos num grande erro não falar primeiro destas posições antes de falarmos em fantasias.
Entende-se por posição a forma do indivíduo visualizar-se a si mesmo, aos outros e ao mundo que o cerca determinando uma forma de o sujeito “ser” e de comportar-se na vida. São períodos normais do desenvolvimento que perpassam a vida de todas as crianças, tais como as fases do desenvolvimento psicossexual criadas por Freud. Contudo, são mais maleáveis do que estas fases, devido ao fato de instalarem-se por necessidade, e não por maturação biológica (embora a autora não deixe de considerar as fases da teoria freudiana.)
Assim, a posição esquizo-paranóide ocupa os primeiros 3 meses de vida e a posição depressiva ocupa a segunda metade do 1º. Ano. O bebê nasce imerso na posição esquizo-paranóide que leva esse nome justamente por existir a prevalência dos processos de divisão (splitting) e de ansiedade paranóide (defesas de caráter denegatório ou ao controle onipotente do objeto), cujas principais características são:
· a fragmentação do ego;
· a divisão do objeto externo (a mãe), ou mais particularmente de seu seio, já que este é o primeiro órgão com o qual a criança estabelece contato, em seio bom e seio mau– o primeiro é aquele que a gratifica infinitamente enquanto o segundo somente lhe provoca frustração –;
· a agressividade e a realização de ataques sádicos dirigidos à figura materna.
A partir da elaboração e superação destes sentimentos que são a base da paranóia e da esquizofrenia, emerge a posição depressiva. Esta tem como principais atributos:
· a integração do ego e do objeto externo (mãe/seio),
· sentimentos afetivos e defesas relativas à possível perda do objeto em decorrência dos ataques realizados na posição anterior;
· reconhecimento da mãe como pessoa total;
· existe a prevalência da integração, ambivalência, ansiedade depressiva e culpa;
· as fantasias de perda da mãe atacada levam a criança a desenvolver ansiedades depressivas (a criança se defende através de mecanismos maníacos ou com intensas inibições da agressividade);
· os processos de integração, iniciados na fase depressiva, fazem com que a criança possa substituir os mecanismos de defesa, tanto psicóticos quanto neuróticos pela reparação, sublimação e criatividade.
Estas posições continuam presentes pelo resto da vida, alternando-se em função do contexto, embora a posição depressiva predomine num desenvolvimento saudável, ela jamais superará totalmente a esquizo-paranóide.
Na sua prática Klein percebe que as crianças têm uma imagem de mãe dotada de uma imensa malvadeza, o que, na maioria das vezes, não corresponde à mãe verdadeira. Daí surge o conceito de fantasia kleiniano, a partir da hipótese de que as crianças estão lidando com uma deformação da mãe real, a qual é criada na mente do infante de modo fantasmático.
Melanie Klein apoiou toda sua teoria na ênfase das fantasias inconscientes, presentes nas relações objetais primitivas e de acordo com ela as fantasias são inatas no sujeito, uma vez que são as representantes dos instintos, tanto os libidinais quanto os agressivos, os quais agem na vida desde o nascimento.
Elas apresentam componentes somáticos e psíquicos, dando origem a
processos pré-conscientes e conscientes, e acabam por determinar, desta
forma, a personalidade. Pode-se concluir que as fantasias são a forma de
funcionamento mental primária, de extrema importância neste período
inicial da vida.
A fantasia pode ser definida como a representante psíquica do instinto e expressa a realidade de sua fonte, interna e subjetiva, embora esteja ligada à realidade objetiva. Ela se transforma de acordo com o desenvolvimento, no decorrer das experiências corporais, sendo ampliada e elaborada, influenciando e sendo influenciada pelo ego em maturação. Segundo Riviere (1986b), seguidora de Melanie Klein, a vida de fantasia do indivíduo pode ser entendida como “a forma como suas sensações e percepções reais, internas e externas, são interpretadas e representadas para ele próprio, em sua mente, sob a influência do princípio de prazer-dor”.
Partindo de obras freudianas, a estudiosa em questão toma como principal
ponto de enfoque das fantasias sua dimensão imaginária. Para a
autora, a atividade fantasmática está presente na vida desde o nascimento
– embora as fantasias primitivas sejam processos altamente desconexos,
instáveis e contraditórios. Qualquer estímulo sentido pela criança é um
potencial eliciador de fantasias, tanto os agressivos – os quais acarretam
fantasias agressivas – quanto os prazerosos – os quais, por sua vez, são
causadores de fantasias calcadas no prazer.
O primeiro alvo das fantasias da criança é o corpo da mãe, já que
ela é o principal objeto com o qual a criança se relaciona em seus primeiros
dias de vida. As fantasias acerca da exploração do corpo materno são de
extrema importância para a descoberta do mundo externo pela criança. A
pulsão de exploração, fundamental para os trabalhos artísticos e científicos,
tem sua base nestas fantasias (Klein, 1996).
De acordo com a teorização kleniana, as principais atividades
que podemos concluir como sendo as funções da fantasia são:
· a realização de desejos;
· a negação de fatos dolorosos;
· a segurança em relação aos fatos aterrorizadores do mundo externo;
· o controle onipotente – já que a criança, em fantasia, não apenas deseja um acontecimento como realmente acredita fazer com que ele
aconteça –;
· a reparação, dentre outras.
O funcionamento inicial da criança é através da vida de fantasia,
a qual, progressivamente, através das relações objetais, cederá lugar às
emoções mais complexas e aos processos cognitivos.