terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Idealização

Através de uma re-visita a alguns teóricos psicanalíticos e também de vivências clínicas e cotidianas, pude descobrir que existe uma certa necessidade humana de criar um eu ideal, aquele que será de todo desejado e estará acima de qualquer possibilidade de ser alcançado.
A Idealização consiste em atribuir ao outro qualidades de perfeição,  percebendo-o como aquele que possui somente características positivas. É, portanto, uma forma de perceber aquele à quem se ama ou se admira de forma parcial, incompleta, irreal e por assim dizer, imaturo, colocando-o num lugar impossível  de ser alcançado.
Facilmente detectamos a presença da idealização em vários momentos da nossa vida. A paixão revela, claramente, esse conceito. A pessoa apaixonada está sob o domínio de certo estado emocional em que o objeto da paixão está supervalorizado em seus atributos. Na realidade, a idealização é uma projeção de valores ideais da pessoa “apaixonada”, resultado dos modelos ideais da sua pré-história. Pré-história, porque esses valores ideais remetem aos primeiros modelos de relação do ser humano, que são os pais. E são modelos carregados de projeções que fazem parte do “arsenal fantasmático” de cada um.
Freud, Klein e Winnicott apontaram em suas obras, de forma mais ou menos explícita, para o mecanismo da idealização que é natural quando o bebê começa a se relacionar com seus objetos de apego (no caso, a mãe).
Freud defende que esta idealização se origina do próprio narcisismo infantil (dos pais) que faz com que  a relação com o filho seja carregada de perfeição e de onipotência. Ele aponta que, na ausência do seio da mãe, o bebê irá criar um seio para si,  tamanha a intolerância do pequeno humano diante das frustrações. Em Psicologia das Massas retoma esta idéia numa análise mais abrangente e aponta que o humano, diante de sua extrema dependência e fragilidade, particularmente diante da morte, tem a necessidade  de criar e de acreditar em algo maior, onisciente e onipresente, quer seja em Deus, na Ciência ou em si mesmo.
Melanie Klein acredita na função defensiva da idealização. Nesse caso, a pessoa afasta os seus próprios aspectos destrutivos, negando-os, e deixando o objeto amado provido somente das qualidades e dos aspectos bons. Por isso torna-se idealizado. O namorado passa a ser perfeito. Aquela profissão é tão maravilhosa que tornará a pessoa famosa e inevitavelmente bem-sucedida. Não basta ser bom, tem de ser ótimo! Aqui, a dificuldade é com a realidade das coisas, que traz as contradições existentes nos sentimentos e nos desejos. A idéia de se ter um “mar de rosas” é extremamente ilusória e idealizada e representa essa dificuldade de suportar uma realidade que, ao contrário, denuncia a existência constante de frustrações na vida.
Por fim, Winnicott lança mão da idéia de uma mãe suficientemente boa que irá encarnar para o bebê toda a idéia de perfeição e apresentar a ele o seio no exato momento em que ele o deseja, dando ao bebê a sensação dele próprio ter criado o seio. Chama isso de momento de ilusão.
Este anseio pelo ideal, se por um lado torna possível o apaixonamento, a criação de belíssimas obras de arte e as utopias e anseios por um mundo melhor, por exemplo, pode complicar e muito a nossa vida no dia a dia.
Por quê? Porque na realidade mesmo, todos nós e os nossos objetos de apego (dito de outro modo, as pessoas que gostamos), assim como a própria realidade,  são falhos e nos frustam em muitas ocasiões.
A intolerância ao objeto frustrante (família, parceiro amoroso, professor, analista, etc.) anda conjuntamente com a idéia, muitas vezes mantida com muito custo, de que há um objeto ideal que, este sim, poderá suprir toda a falta e carência humana.
Mas será que este objeto realmente existe? Ledo engano!
De fato, por ser ideal, como a própria palavra já diz, ele não existe. Só existe dentro da nossa cabeça!
Assim como numa relação amorosa: na medida em que conhecemos mais o outro, e nós mesmos na companhia deste outro, descobrimos aspectos que não são tão bonitinhos como esperávamos!
Então, o grande desafio é conseguirmos manter nosso amor em contato com o nosso ódio e frustração e suportar sentir tudo isso pela mesma pessoa!
Klein chama esta vivência de Posição Depressiva!
É só podendo vivenciar sentimentos contraditórios pela mesma pessoa que conseguiremos expandir nossa mente e nossa capacidade de sentir e de simbolizar, assim como ficaremos mais tolerantes conosco e com o outro pelas nossas humanidades e imperfeições.
Portanto, quanto maior for a capacidade para tolerar as frustrações e aceitar que as pessoas, as profissões, as relações, os planos, são constituídos de elementos positivos e negativos, de aspectos bons e maus, mais madura a pessoa estará e, conseqüentemente, necessitará menos de idealizações. O bom já será suficiente, não precisará do ótimo.

6 comentários:

  1. Boa noite! Gostei muito da forma que vc abordou idealização e frustração, essa relação é exatamente o tema central do meu TCC que tem como tema "Porque os casamentos não dão certo? Dá idealização à frustração". Estou com dificuldade para encontrar fundamentação teórica, se puder me ajudar de alguma forma ficarei grata. Desde já, obrigada!

    Att, Késy Couto

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    1. Oi achei interessante seu tema de TCC e gostaria de ler ... Você publicou ?

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  2. Olá Sonia!
    Qual o dicionário psicanalítico que você me indica?

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  3. Ótimo texto. Parabéns! :)

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  4. Texto maravilhoso. Simples e conciso. Obrigado!

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