terça-feira, 26 de outubro de 2010

A origem e a função das fantasias, segundo Klein

Uma das principais contribuições de Melanie Klein são os conceitos de posição esquizo-paranóide e posição depressiva e incorreríamos num grande erro não falar primeiro destas posições antes de falarmos em fantasias.
Entende-se por posição a forma do indivíduo visualizar-se a si mesmo, aos outros e ao mundo que o cerca determinando uma forma de o sujeito “ser” e de comportar-se na vida. São períodos normais do desenvolvimento que perpassam a vida de todas as crianças, tais como as fases do desenvolvimento psicossexual criadas por Freud. Contudo, são mais maleáveis do que estas fases, devido ao fato de instalarem-se por necessidade, e não por maturação biológica (embora a autora não deixe de considerar as fases da teoria freudiana.)
Assim, a posição esquizo-paranóide ocupa os primeiros 3 meses de vida e a posição depressiva ocupa a segunda metade do 1º. Ano. O bebê nasce imerso na posição esquizo-paranóide que leva esse nome justamente por existir a prevalência dos processos de divisão (splitting) e de ansiedade paranóide (defesas de caráter denegatório ou ao controle onipotente do objeto), cujas principais características são:

·         a fragmentação do ego;
·         a divisão do objeto externo (a mãe), ou mais particularmente de seu seio, já que este é o primeiro órgão com o qual a criança estabelece contato, em seio bom e seio mau– o primeiro é aquele que a gratifica infinitamente enquanto o segundo somente lhe provoca frustração –;
·         a agressividade e a realização de ataques sádicos dirigidos à figura materna.

A partir da elaboração e superação destes sentimentos que são a base da paranóia e da esquizofrenia, emerge a posição depressiva. Esta tem como principais atributos:

·         a integração do ego e do objeto externo (mãe/seio),
·         sentimentos afetivos e defesas relativas à possível perda do objeto em decorrência dos ataques realizados na posição anterior;
·         reconhecimento da mãe como pessoa total;
·         existe a prevalência da integração, ambivalência, ansiedade depressiva e culpa;
·         as fantasias de perda da mãe atacada levam a criança a desenvolver ansiedades depressivas (a criança se defende através de mecanismos maníacos ou com intensas inibições da agressividade);
·         os processos de integração, iniciados na fase depressiva, fazem com que a criança possa substituir os mecanismos de defesa, tanto psicóticos quanto neuróticos pela reparação, sublimação e criatividade.

Estas posições continuam presentes pelo resto da vida, alternando-se em função do contexto, embora a posição depressiva predomine num desenvolvimento saudável, ela jamais superará totalmente  a esquizo-paranóide.
Na sua prática Klein  percebe que as crianças têm uma imagem de mãe dotada de uma imensa malvadeza, o que, na maioria das vezes, não corresponde à mãe verdadeira. Daí surge o conceito de fantasia kleiniano, a partir da hipótese de que as crianças estão lidando com uma deformação da mãe real, a qual é criada na mente do infante de modo fantasmático.
 Melanie Klein apoiou toda sua teoria na ênfase das fantasias inconscientes, presentes nas relações objetais primitivas e de acordo com ela as fantasias são inatas no sujeito, uma vez que são as representantes dos instintos, tanto os libidinais  quanto os agressivos, os quais agem na vida desde o nascimento.
Elas apresentam componentes somáticos e psíquicos, dando origem a
processos pré-conscientes e conscientes, e acabam por determinar, desta
forma, a personalidade. Pode-se concluir que as fantasias são a forma de
funcionamento mental primária, de extrema importância neste período
inicial da vida.
A fantasia pode ser definida como a representante psíquica do instinto e expressa a realidade de sua fonte, interna e subjetiva, embora esteja ligada à realidade objetiva. Ela se transforma de acordo com o desenvolvimento, no decorrer das experiências corporais, sendo ampliada e elaborada, influenciando e sendo influenciada pelo ego em maturação. Segundo Riviere (1986b), seguidora de Melanie Klein, a vida de fantasia do indivíduo pode ser entendida como “a forma como suas sensações e percepções reais, internas e externas, são interpretadas e representadas para ele próprio, em sua mente, sob a influência do princípio de prazer-dor”.
Partindo de obras freudianas, a estudiosa em questão toma como principal
ponto de enfoque das fantasias sua dimensão imaginária. Para a
autora, a atividade fantasmática está presente na vida desde o nascimento
– embora as fantasias primitivas sejam processos altamente desconexos,
instáveis e contraditórios. Qualquer estímulo sentido pela criança é um
potencial eliciador de fantasias, tanto os agressivos – os quais acarretam
fantasias agressivas – quanto os prazerosos – os quais, por sua vez, são
causadores de fantasias calcadas no prazer.
O primeiro alvo das fantasias da criança é o corpo da mãe, já que
ela é o principal objeto com o qual a criança se relaciona em seus primeiros
dias de vida. As fantasias acerca da exploração do corpo materno são de
extrema importância para a descoberta do mundo externo pela criança. A
pulsão de exploração, fundamental para os trabalhos artísticos e científicos,
tem sua base nestas fantasias (Klein, 1996).
De acordo com a teorização kleniana, as principais atividades
que podemos concluir como sendo as funções da fantasia são:
·         a realização de desejos;
·         a negação de fatos dolorosos;
·         a segurança em relação aos fatos aterrorizadores do mundo externo;
·         o controle onipotente – já que a criança, em fantasia, não apenas deseja um acontecimento como realmente acredita fazer com que ele
aconteça –;
·         a reparação, dentre outras.
O funcionamento inicial da criança é através da vida de fantasia,
a qual, progressivamente, através das relações objetais, cederá lugar às
emoções mais complexas e aos processos cognitivos.

A Idealização

Através de uma re-visita a alguns teóricos psicanalíticos e também de vivências clínicas e cotidianas, pude descobrir que existe uma certa necessidade humana de criar um eu ideal, aquele que será de todo desejado e estará acima de qualquer possibilidade de ser alcançado.
A Idealização consiste em atribuir ao outro qualidades de perfeição,  percebendo-o como aquele que possui somente características positivas. É, portanto, uma forma de perceber aquele à quem se ama ou se admira de forma parcial, incompleta, irreal e por assim dizer, imaturo, colocando-o num lugar impossível  de ser alcançado.
Facilmente detectamos a presença da idealização em vários momentos da nossa vida. A paixão revela, claramente, esse conceito. A pessoa apaixonada está sob o domínio de certo estado emocional em que o objeto da paixão está supervalorizado em seus atributos. Na realidade, a idealização é uma projeção de valores ideais da pessoa “apaixonada”, resultado dos modelos ideais da sua pré-história. Pré-história, porque esses valores ideais remetem aos primeiros modelos de relação do ser humano, que são os pais. E são modelos carregados de projeções que fazem parte do “arsenal fantasmático” de cada um.
Freud, Klein e Winnicott apontaram em suas obras, de forma mais ou menos explícita, para o mecanismo da idealização que é natural quando o bebê começa a se relacionar com seus objetos de apego (no caso, a mãe).
Freud defende que esta idealização se origina do próprio narcisismo infantil (dos pais) que faz com que  a relação com o filho seja carregada de perfeição e de onipotência. Ele aponta que, na ausência do seio da mãe, o bebê irá criar um seio para si,  tamanha a intolerância do pequeno humano diante das frustrações. Em Psicologia das Massas retoma esta idéia numa análise mais abrangente e aponta que o humano, diante de sua extrema dependência e fragilidade, particularmente diante da morte, tem a necessidade  de criar e de acreditar em algo maior, onisciente e onipresente, quer seja em Deus, na Ciência ou em si mesmo.
Melanie Klein acredita na função defensiva da idealização. Nesse caso, a pessoa afasta os seus próprios aspectos destrutivos, negando-os, e deixando o objeto amado provido somente das qualidades e dos aspectos bons. Por isso torna-se idealizado. O namorado passa a ser perfeito. Aquela profissão é tão maravilhosa que tornará a pessoa famosa e inevitavelmente bem-sucedida. Não basta ser bom, tem de ser ótimo! Aqui, a dificuldade é com a realidade das coisas, que traz as contradições existentes nos sentimentos e nos desejos. A idéia de se ter um “mar de rosas” é extremamente ilusória e idealizada e representa essa dificuldade de suportar uma realidade que, ao contrário, denuncia a existência constante de frustrações na vida.
Por fim, Winnicott lança mão da idéia de uma mãe suficientemente boa que irá encarnar para o bebê toda a idéia de perfeição e apresentar a ele o seio no exato momento em que ele o deseja, dando ao bebê a sensação dele próprio ter criado o seio. Chama isso de momento de ilusão.
Este anseio pelo ideal, se por um lado torna possível o apaixonamento, a criação de belíssimas obras de arte e as utopias e anseios por um mundo melhor, por exemplo, pode complicar e muito a nossa vida no dia a dia.
Por quê? Porque na realidade mesmo, todos nós e os nossos objetos de apego (dito de outro modo, as pessoas que gostamos), assim como a própria realidade,  são falhos e nos frustam em muitas ocasiões.
A intolerância ao objeto frustrante (família, parceiro amoroso, professor, analista, etc.) anda conjuntamente com a idéia, muitas vezes mantida com muito custo, de que há um objeto ideal que, este sim, poderá suprir toda a falta e carência humana.
Mas será que este objeto realmente existe? Ledo engano!
De fato, por ser ideal, como a própria palavra já diz, ele não existe. Só existe dentro da nossa cabeça!
Assim como numa relação amorosa: na medida em que conhecemos mais o outro, e nós mesmos na companhia deste outro, descobrimos aspectos que não são tão bonitinhos como esperávamos!
Então, o grande desafio é conseguirmos manter nosso amor em contato com o nosso ódio e frustração e suportar sentir tudo isso pela mesma pessoa!
Klein chama esta vivência de Posição Depressiva!
É só podendo vivenciar sentimentos contraditórios pela mesma pessoa que conseguiremos expandir nossa mente e nossa capacidade de sentir e de simbolizar, assim como ficaremos mais tolerantes conosco e com o outro pelas nossas humanidades e imperfeições.
Portanto, quanto maior for a capacidade para tolerar as frustrações e aceitar que as pessoas, as profissões, as relações, os planos, são constituídos de elementos positivos e negativos, de aspectos bons e maus, mais madura a pessoa estará e, conseqüentemente, necessitará menos de idealizações. O bom já será suficiente, não precisará do ótimo.

O Narcisismo

Pretendo por meio destes textos pensar a psicanálise e sua relação com o cotidiano. Então convido-o para um passeio, nada seguro, nessa espécie de des-coberta  daquilo que já lemos e lemos e falamos, mas que ainda persiste num cantinho de nossas mentes como algo à ser melhor esclarecido.
Seria interessante também começar pelo pressuposto de que nada sei, pois pensando dessa forma minha angústia se aplaca e abre espaço para a formulação da questão em si: O que é narcisismo?
A palavra é derivada da Mitologia Grega. Narciso era um jovem e belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado de forma a apaixonar-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Narciso suicidou-se por afogamento.
Para Freud, o narcisismo descreve a característica de personalidade de paixão por si mesmo e constitui em uma parte de todos nós desde o nascimento e, segundo Andrew Morrison, em adultos, um nível razoável de narcisismo permite que um indivíduo equilibre a percepção de suas necessidades em relação à de outrem.
Em psicologia e psiquiatria o narcisismo muito excessivo é o que dificulta o individuo a ter uma vida satisfatória, é reconhecido como um estado patológico e recebe o nome de Transtorno de personalidade narcisista. Indivíduos com o transtorno julgam-se grandiosos e possuem necessidades de admiração e aprovação de outras pessoas em excesso.
Em psicanálise o narcisismo representa um modo particular de relação com a sexualidade, sendo um conceito crucial para a formação da teoria psicanalítica tal qual conhecemos hoje. Em 1914 Freud lançou o livro Sobre a Introdução do Conceito de Narcisismo, neste livro o autor subdivide o narcisismo em duas fases:

·         Narcisismo primário- é a fase auto-erótica, o primeiro modo de satisfação da libido, onde as pulsões buscam satisfação no próprio corpo. Nesse período ainda não existe uma unidade do ego, nem uma diferenciação real do mundo.

·         Narcisismo secundário - ocorre em dois momentos: o investimento objetal e o retorno desse investimento para o ego. Quando o bebê já consegue diferenciar seu próprio corpo do mundo externo ele identifica quais as suas necessidades e quem pode satisfazê-las, então concentra em um objeto suas pulsões parciais, geralmente na mãe.
O narcisismo não é apenas uma condição patológica, mas também pode ser protetor do psiquísmo no sentido de  promover a constituição de uma imagem de si unificada, perfeita e inteira para fornecer a integração de uma figura positiva e diferenciada do outro, guardadas aí as proporções.
O despertar do amor nas relações interpessoais e com o mundo à nossa volta, requer, antes de mais nada, o gostar de si mesmo, ou seja, desenvolver o amor próprio no sentido de estruturar a auto-estima e sentir-se mais à vontade no seu âmbito de relacionamentos.
Dificilmente o indivíduo irá amar, se antes, não tiver desenvolvido a energia do auto-amor. É a partir dessa experiência íntima, que se inicia nas relações estabelecidas na infância com a mãe, figura referencial para o bebê, que o indivíduo desenvolve o amor-próprio de uma forma equilibrada ou desequilibrada. O saudável da questão aponta na adolescência e na fase adulta o surgimento do narcisismo bom. O patológico da questão sinaliza a personalidade narcisista, egocêntrica, com fixações na infância.
A rigidez na educação (não confundir rigidez com firmeza), é responsável pelo desencadeamento de diversas psicopatologias, desde as neuroses comuns até os transtornos de personalidade mais complicados de tratar pela psicoterapia. E o narcisismo não resolvido é um deles, porque o seu portador costuma competir conhecimento com o seu terapeuta, tornando o processo terapêutico difícil e, muitas vezes, inviável.

O narcisismo, quando bem resolvido, abre para o indivíduo um leque de possibilidades de crescimento em sua vida pessoal e profissional, enquanto o narcisismo não resolvido, por possuir um traço marcadamente egocêntrico, fecha ou restringe ao seu portador, a possibilidade de expandir-se nas áreas social e profissional.